quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Limo na costa


Quando era mais novo, para além de trabalhar no verão, na praia do Sul, ajudava o meu avô Cavalas a cultivar um pedaço de terra que ele trazia alugada em Fonte Boa da Brincosa, onde residia há algum tempo.
Em determinadas épocas do ano, após as tempestades no mar, dava à costa grande quantidade de algas a que chamamos limo e que se ia acumulando no areal. Este limo era aproveitado para fertilizar a terra proporcionando excelentes colheitas.
O meu avô e eu vinhamos buscá-lo às lages (pois era onde se encontrava mais limpo) e carregávamo-lo às costas, falésia acima dentro de cestos de vime. Depois deitávamo-lo dentro de cobachos (buracos em forma de quadrado abertos na terra e adjacentes uns aos outros onde se plantavam batateiras) onde iria apodrecer ao sol. Toda a gente do campo colhia este limo da costa limpando-a em pouco tempo.
Mas o que eu vos queria contar, tem a ver com algo que, tendo uma história paralela a esta, aparecia na nossa costa com frequência, muitas vezes em plena época balnear; o alcatrão.
Os petroleiros que descarregavam a nafta no terminal de Sines, quando regressavam vazios para norte costumavam efectuar a lavagem dos tanques em alto mar, provocando pequenas marés de poluição que chegavam às praias, muitas das vezes durante a noite. De manhã apareciam milhares de bolinhas de alcatrão depositadas na areia que tinhamos de limpar antes da chegada dos primeiros banhistas. Tarefa chata que repetíamos todos os dias, de segunda a sábado. Ao domingo, acontecia um fenómeno protagonizado por um outro tipo de banhista; o turista de domingo.
Geralmente proveniente do campo, muitas das vezes vendo o mar pela primeira vez, invadia o areal, esticava toalhas e mantas, rebolava, passeava, esfregava-se literalmente sobre o dito alcatrão. O resultado era a praia ficar limpa sem qualquer esforço da nossa parte.
Era mau para a reputação, mas bom para a poluição.
João Bonifácio

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

1507

25 de Maio de 1507


A Câmara com o donatário Dom João Fernandes de Sousa, e com os moradores da Vila, todos juntos à porta da Igreja de São Pedro, fez acordo com o Clérigo João Vaz, para que ele exerça na dita Igreja o cargo do Capelão, e ali celebre Missas rezadas e cantadas, visto os beneficiados da Igreja de Mafra, que têm essa obrigação, faltarem de contínuo a ela. O referido Clérigo, além dos trintários, receberia por ano, 80 alqueires de pão, uma pipa de vinho e quinhentos réis em dinheiro, tudo pago pelos moradores.
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Anno do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e sete annos, aos vinte e cinco dias do mez de Maio, à porta da Egreja de São Pedro da villa da Ericeira, estando ahi o senhor João Fernandes de Sousa senhor da dita villa e João Alvares, Juizo Ordinario em a dita villa, e João Meão vereador, e João de São Pedro, e Pedro Annes, e Gonçalves Fernandes, e João Pires, e Gonçalo Pires, e João Ruivo, e Pedro Dias, e Gonçalo Annes da Praça, e Luiz Gonçalves, e Alvares Pires, e outros moradores e Povo da dita villa, e estando todos falando em como é necessário para esta Villa tomarem um Clérigo que cante e sirva na Egreja desta Villa,para os moradores della, porquanto os clerigos de Mafra que são obrigados a virem dizer as Missas, muitos domingos e festas erravam, (faltavam) e ficava a gente desta Villa sem Missa; e conviram que se tome um clerigo que cante todos os domingos do anno e festas de Jesus Cristo e dos Apostolos, e dos santos e Santa Maria. E logo pelo dito senhor João Fernandes de Sousa e pelos ditos Oficiaes e homens bons, foi feito concerto com João Vaz, clerigo de Missa, que de presente estava, que elle, de dia de São João Baptista que ora vem desta era, a um anno, cante na Egreja desta Villa, e diga Missa todos os domingos e de Santa Maria e festas de Jesus Cristo, e Missas pelo dito senhor e por todos os moradores desta Villa; e os Oficiaes lhe farão pagamento de oitenta alqueires de pão e uma pipa de vinho e quinhentos reis em dinheiro; e o dito João Vaz lhe aprouve de servir este anno nesta Egreja, todos os sobreditos como dito é, pelos oitenta alqueires de pão e vinho e dinheiro; e os ditos Oficiaes se obrigaram a pagar a dita soldada ao dito Clerigo, á custa do Concelho.
E que serão as ditas partes por verdade, assignaram aqui. Eu, Alvaro Annes tabelião, isto escrevi. E disseram que se cazo for que o dito João Vaz, Capelão, disser Missas alem destas que é obrigado, que dando-lhe dinheiro qualquer pessoa desta Villa, que a ellas diga as Missas; e se derem algum trintario na dita Egreja ao dito Capelão, que o diga e entregue as Missas em outros de que o dito senhor e povo lhe aprouver. Alvaro Annes, tabelião, isto escrevi. E ficaram os Oficiaes de entregarem esta soldada toda junta ao Capelão, e que lha entreguem os Oficiaes que vierem; e pediram os Oficiaes permissão ao senhor João Fernandes de Sousa e que assim lhe, este concerto; e logo pelo dito senhor João Fernandes de Sousa foi dito que, visto como esta coisa é tão bem ordenada e tanto a serviço de Deus e bem do Povo, lhe confirma este concerto, e mandou que os Oficiaes que vierem, de São João em deante, tirem o dito pão e dinheiro e vinho, e entreguem a soldada ao dito Capelão; e mandou que os ditos Oficiaes da dita Villa lançassem finta por todas as pessoas que para isto hão de pagar, assim como é razão que cada um pague, sob pena de elles o pagarem de suas cazas, se assim o não cumprirem.
(Arquivo Ericeirense, Maço IV - Igreja Paroquial)

"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

1505

12 de Agosto de 1505

Pero Annes, homem das obras que El Rei tem em Cascais, apresenta à Câmara um regimento pelo qual o Rei ordena que os moradores das Vilas de Colares, Cheleiros, Ericeira e reguengo da Carvoeira, concorram para as ditas obras, que, segundo parece, constavam de uma torre, muralhas e outras construções de fortificação.
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Da transcripção do regimento apresentado à Câmara por Pero Annes, consta que o Rei fôra informado que, de tempos antigos, sempre estes Povos concorreram para as obras dos muros de Cascais.
Trata-se possivelmente do antigo imposto da annuduva, embora no documento se não faça referência àquela denominação.
(Arquivo Ericeirense, Maço I - Documentos Antigos)

 "Anais da Vila da Ericeira"Jaime d'Oliveira Lobo e Silva1932

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Por caminhos da Ericeira (4)

Não há nenhum observador da etnografia popular, tam instrutiva e cheia de encanto, que, nas povoações rurais, deixe de erguer os seus olhos, amorosos de arte tradicional, para esse complemento do lar doméstico, para a chaminé. São bem portuguesas essas dealbadas colunas, através das quais respira a chama que arde na paz interior da habitação. (Portugalia, II, 79).
Nesta nesga da região saloia, não aparecem aqueles modelos tam característicos doutros arredores de Lisboa, as chaminés de secção rectangular, rematadas em meio-círculo entreaberto, que talvez possam chamar-se de fenda em arco, e que tanto se encontra em Sintra, em Colares; e até, dentro de portas da capital, há raros mas curiosos exemplares (Junqueira, Rato). Desenhei umas oito.
Perpassando os seus tipos, vê-se que elas são principalmente: 1.º, tronco-cónicas, sobrepujadas por um lanternim de tejolo, rematado em cúpula mais ou menos ornada. Superior e inferiormente às estreitas frestas do lanternim, abraçam a chaminé dois estrágalos que lhe dão graça e sentimento. Por vezes as frestas fumívoras têm os tejolos em seco, outras vezes são cuidadosamente acabadas com argamassa e cal. Num exemplar que figuro, a chaminé é toda fechada até ao capêlo e, para o fumo, reservou-se quasi na base uma única e pequena fresta (1).
Além deste tipo predominante há as chaminés: 2.º, prismáticas e, 3.º, tronco-piramidais. Do 2.º há-as de secção rectangular ou quadrada. Daquele sub-tipo desenhei um elegante modelo, em que, por cada lado da chaminé, as frestas, em número de quatro contíguas, ocupam apenas o meio, deixando dos lados, isto é, nos cunhais um espaço liso. Esta chaminé termina por uma pirâmide de base quadrada, em cujas faces se abriram 4 lumieiras esguias, que reforçam a tiragem.
As chaminés do 3.º tipo são rectangulares e o remate, tanto nestas como no 1.º sub-tipo das prismáticas, é constituído por um corpo tectiforme, aberto lateralmente por frestas de tiragem ou apenas, quando côncavo, ao longo da cumieira ou aresta superior. Esta variedade é comum. O que torna curioso este coroamento, são umas pequenas peças ornamentais feitas de telha aparada à turquês e colocadas nas extremidades; desenhei-as em duas chaminés, com a forma de lancetas e de foice (2). Vejam-se as figs. 6 a 12.

 
  
 

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(1) Este curioso tipo não é um acaso, segundo penso; dum comboio em andamento, eu tomei nota de uma chaminé deste tipo, para o sul de Coimbra. O fuste era tronco-cónico, o capelo semi-ovóide, coroado por uma bola. Dispostos em losango e espaçados, mas todos de um lado, abriam-se na espessura da coluna quatro orifícios triangulares, que constituíam a totalidade da tiragem desta chaminé (fig. 13).
(2) Não tem designativo especial estes ornatos. Aos que terminam o beiral dos telhados e se erguem em curva, chamam simplesmente pontas de telhado; são de barro ou madeira.
O Archeologo Português - 1914

 
Um exemplo de chaminés típicas da Ericeira

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Malha urbana até ao séc. XVIII (6)

Rua Formosa, rua do Norte

Esta rua teve como topónimo Formosa pelo menos até aos finais do séc. XIX, apesar de ser vulgarmente conhecida por rua do Norte. O lado poente desta rua é urbanizado desde o séc. XV. O lado nascente, apesar de durante os sécs. XVI e XVII ter alguma urbanização, foi no final do século XVIII que se urbanizou bastante. Durante mais de metade do séc. XX existiram, nesta rua, grandes quintais, no lado nascente.
O topónimo Norte, como facilmente se compreende, é devido ao alastramento da urbanização no sentido norte, em relação ao núcleo central da Vila. Algumas das travessas que cruzam a actual rua do Norte, não tinham a configuração como nós hoje as conhecemos. A actual travessa dos Arrais prolongava-se mais para nascente ligando-se à travessa da Assunção. A actual travessa do Estrela, lado nascente, não existia rasgada até à rua. Nos princípios do séc. XX abriu-se esta travessa.

Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"

(Fotos de João B.)