sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Fonte do Cabo



Quem entra na vila da Ericeira pelo lado Sul, invariavelmente passa junto à Fonte do Cabo.
Fonte centenária (tem uma inscrição em caracteres góticos e uma data: 1457), é um dos exlibris desta localidade.
Para muitos de nós, foi um marco na nossa infância. Testemunha muda das nossas brincadeiras protagonizadas nos terrenos próximos a que chamávamos "a Horta", via beber nas suas bicas de água fresca, todo o género de aventureiros; piratas, cawboys, índios, cavaleiros medievais, caçadores de tesouros, samurais, todo o tipo de personagens que encarnávamos enquanto as nossas mães lavavam a roupa no tanque contíguo. Nos dias de mais calor, via-se transformada em piscina onde nos banhávamos. Magotes de fedelhos de palmo e meio, atirávamos água uns aos outros em brincadeiras frenéticas, saindo dali com os pequenos corpos refrescados e as almas lavadas.
Tempos que recordo com muito carinho e alguma nostalgia.
O topónimo desta Fonte do Cabo vem do facto de na antiguidade se encontrar isolada na margem sul do Rio dos Fundos, rio que trazia nessa época um caudal considerável e que caía em cascata no mar onde está hoje a rampa de acesso à Praia do Sul, mais propriamente, no desaparecido portinho de revéz (onde se encontram hoje as piscinas do Hotel).
Margem que, por ter terrenos mais altos e falésia com furnas na zona entre a fonte e a praia, se parecia com um cabo da costa oceânica. Isto para quem a olhasse do lado norte. Significava também o extremo da localidade.
Consta que a antiga fonte estava voltada para poente acompanhando a velha estrada que conduzia à Lapa da Serra.
Dizem também os antigos que para ser um verdadeiro jagoz tinha-se de beber primeiro, água da Fonte do Cabo.
Tudo isso desapareceu. Ficou a velha Fonte e pouco mais.
Ficou efectivamente, um pouco mais. Refiro-me à mina de água que conduz à sua nascente, escondida do olhar de todos, enterrada nas profundezas da encosta, a cerca de 100 metros de distância, para leste. Ainda há pouco tempo se podia ver um velho morador (já não se encontra entre nós) sentado numa cadeira junto do portão de ferro da entrada, do lado direito da fonte, que "cobrava umas coroas" a quem quisesse fazer uma visita à velha mina, percorrendo o 'caminho iniciático' até à nascente. Como que uma viajem no tempo que conduz aos primórdios da história deste lugar mágico.

João Bonifácio

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